Mulheres à frente do seu tempo
Updated: Oct 6, 2020
Mulheres e seus mundos
Mary Shelley tinha dezenove anos quando imaginou e escreveu a história que seria considerada o marco inicial da ficção científica na literatura. Segundo consta em biografias a seu respeito, Mary teria sido desafiada por dois poetas, Lord Byron e Percy Bysshe Shelley (com quem viria a se casar) a escrever um conto de terror.
A história, mundialmente conhecida, mas nem sempre associada a autoria de uma mulher, conta a trajetória de Victor Frankenstein, um cientista que deu vida a um “monstro”, em uma relação conflituosa que evidencia dilemas humanos.
O gênero literário, inaugurado por uma mulher, não tardou ser dominado por homens e reflete, nas publicações e nas histórias, as características de uma sociedade machista. A fundação, de Isaac Asimov, tida pelos críticos (também, em sua maioria, homens) como uma das principais obras de ficção científica, possui apenas uma personagem mulher, a qual sequer tem uma fala na narrativa. Assim, as mulheres foram sendo destituídas desse segmento e, por consequência, do direito de compartilhar seus mundos imaginados.
Foram várias as mulheres que enfrentaram (e enfrentam) o preconceito e as barreiras impostas para publicarem histórias de ficção científica. Ainda assim, podemos celebrar essas mulheres que ousaram criar novos mundos, ou, como no caso de Margareth Atwood, autora do Conto da Aia, que decidiu que essa história seria baseada em acontecimentos reais, proporcionando a nós, uma história despótica que nos causa verdadeiro assombro pela possibilidade de acontecer – ou melhor, se repetir.

Outra grande autora, que além da barreira do gênero, também ultrapassou a barreira da raça para se tornar uma grande escritora. Octavia Butler, autora de clássicos como Kindred, A Parábola do Semeador e A Parábola dos Talentos, consegue transpor suas vivências, trazendo reflexões sobre racismo, religião e o futuro (ou passado) da sociedade humana.

Ursula K Le Guin, renomada escritora de ficção científica, proferiu um discurso memorável sobre a importância de imaginar durante o National Book Awards (EUA) em 2014.
“Acho que tempos difíceis estão chegando quando desejaremos as vozes de escritores(as) que possam enxergar alternativas para o modo como vivemos agora, que possam ver através de nossa sociedade atingida pelo medo, a fim de maximizar lucros de empresas, que levem a outros modos de ser, e até imaginem territórios reais para a esperança. Vamos precisar de escritores (as) que possam lembrar da liberdade, poetas, visionários, realistas de uma realidade maior”
Discurso muito atual para o período de pandemia mundial que vivemos. Aliás, momentos que em muito se assemelham as narrativas de ficção científica. Acontecimentos que modificam toda trajetória humana, que nos obrigam a reinventar. Assim, sigamos inspiradas nessas mulheres, que estão a frente de seu tempo, imaginando outras eras, outros mundos, outros povos, e vamos imaginar, vamos criar, escrever, publicar, ler, inventar, enfim, seguir.
Foram apresentadas aqui algumas referências de autoras, as quais se tornaram mais populares ultimamente, reconhecendo que existe uma produção de mulheres a ser explorada e incentivada, pois é incrível existir em um mundo que comporta a existência de mundos onde o anarquista Shevek descobre a Teoria da Simultaneidade, onde podemos acompanhar Lauren fundando a cidade de Bolota e criando A Semente da Terra, reconhecer muitos dos caminhos que levaram Offred a resistir, e descobrir um monstro demasiado humano como Frankenstein.
Referências
https://www.youtube.com/watch?v=wntFiJ7OrzM
https://www.netflix.com/br/title/80224466
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ursula_K._Le_Guin
https://pt.wikipedia.org/wiki/Octavia_Butler
https://www.theguardian.com/books/2014/nov/20/ursula-k-le-guin-national-book-awards-speech
https://www.taglivros.com/blog/como-surgiu-frankenstein-mary-shelley/
https://www.bbc.com/portuguese/vert-cul-52332892

Cristiane Duarte
Advogada feminista, atuante na área de direito de família e na defesa dos direitos das mulheres.